Eu sou, nós todos somos, das gerações que assistiram à tentativa de lutar contra um Pandemia com uma APP. Achei eu que seria o culminar de uma tendência caracterizada pelo tecnossolucionismo crescente. Mas não… a Pandemia de COVID-19 acabou e a vida continua, bem como o deslumbramento coletivo pela tecnologia e pelo consumismo tecnológico.
A última moda parecem ser as Apps das escolas. Penso que nenhum pai ou mãe, com filhos em escolas privadas em Portugal, não tenha sido já introduzido a uma App da escola. A própria escola promete resolver todos os problemas de comunicação, aproximar a escola dos pais e partilhar com os pais todos os momentos dos seus filhos, numa perturbadora visão distópica de hipervigilância.
Todo este conforto de acompanhar os nossos filhos no relance do smartphone apenas em troca de apontar o mesmo smartphone para um QR code à entrada e saída da escola. Parece impossível de resistir.
Escolas existem há milhares de anos, de uma forma ou de outra. Todos nós temos experiências do que é estar numa escola e até do que é lidar com os problemas relacionados com escolas. Os pais comunicavam cara a cara com educadores, auxiliares e diretores de escolas. Existiam trabalhos e fotografias de alunos a forrar as paredes dos corredores. Os problemas coletivos e individuais das crianças eram discutidos presencialmente com abertura e frontalidade.
Ainda é assim em muitas escolas, mas aos poucos têm vindo a ser colocadas restrições no acesso físico dos Pais às escolas. Existem horas de visita específicas e falar com educadores e professores só com hora marcada.
Eu percebo… Há pais e pais e, cada vez mais, há pais que não respeitam limites e exigem o impossível, sem pensarem que o seu filho não é o único aluno da escola. Tecnologia veio para ajudar. Afinal, agora tudo é digital - fotografias, conteúdos pedagógicos, avaliações etc…. E-mails, videochamadas e até sistemas de troca mensagens instantâneas podem ser ferramentas muito úteis na comunicação entre escola e pais, mas não sem formação adequada e sem ferramentas digitais adequadas. Não sem pensar na segurança, nos riscos, nas implicações pedagógicas e até mesmo nas questões éticas e morais.
Ilude-se quem pensa que tecnologia ou uma App qualquer resolve incompetência.
Tecnologia veio para ajudar, mas infelizmente também veio com riscos elevados. Em vez de pequenos conjuntos de dados, locais, em cada escola, constroem-se através das Apps silos de informação de alunos, milhares de crianças. As consequências de uma qualquer falha de segurança são potencialmente enormes. O risco é muito elevado, aqui, da minha cadeira, inaceitável.
Nos tempos que correm, a nossa privacidade está cada vez mais debilitada. Construíram-se economias em torno da recolha, consolidação, venda e revenda de dados pessoais para fins, por vezes, pouco claros. Anúncios personalizados, captura de atenção em redes sociais, investigação para candidaturas de empregos, forças de segurança, campanhas políticas, treino das redes neuronais por detrás dos sistemas de “inteligência artificial”, etc..
As nossas crianças estão especialmente vulneráveis. Crescem num futuro cada vez mais incerto, onde as pressões para a vigilância em larga escala são imensas, com consequências imprevisíveis para o futuro das nossas sociedades.
Os pais de hoje têm o dever de proteger a privacidade das crianças, para que estas, quando adultas, ainda possam decidir sobre si próprias em Liberdade.
Por todas estas razões e mais algumas eu escolho não. Não autorizo a utilização de dados dos meus filhos em apps de escolas, não autorizo a partilha de fotografias e vídeos dos meus filhos em redes sociais.