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Racionalismo, tecnologia, direitos digitais

Democracia século XXI

Posted at — Jan 21, 2015

Pela primeira vez eu votei à esquerda. Em vez de branco, nulo ou num dos dois partidos à direita, votei LIVRE nas europeias e apoio o LIVRE. Mas não é pelas razões da alteração do meu sentido de voto tradicional que escrevo, é pelo o meu apoio a um partido novo com grande potencial, não só para mudar a forma como se faz política, mas também como se pratica democracia em Portugal.

O LIVRE tem menos de um ano e alcançou um resultado histórico nas europeias, com isso surge um desafio organizacional enorme. Como fazer crescer um partido de forma organizada, com poucos recursos e trabalhar em conjunto com milhares de pessoas espalhadas pelo País, num espírito livre a aberto?

Porque interessa ao LIVRE manter o debate politico interno e externo constante, não só porque isso está na sua génese, porque é essencial para a sua divulgação para as próximas eleições, como também só com uma base forte de apoiantes, interessados e atentos para os assuntos políticos nacionais é que o processo de primárias fará sentido.

Da mesma forma que tenho acompanhado com bastante interesse o nascimento do LIVRE (tendo lido e visto quase todo o conteúdo produzido pelo LIVRE, desde o vídeo do debate das primárias, à Grândola vila morena do penúltimo dia de campanha, até à última conversa da espiga) tenho durante anos acompanhado o desenvolvimento de software LIVRE (curiosamente….).

Muitos dos problemas que o LIVRE enfrenta hoje para se organizar já foram resolvidos, por pessoas, empresas e organizações dedicadas ao desenvolvimento de software livre, e muitas das ferramentas necessárias já foram construídas e estão neste momento a ser extensamente utilizadas com grande sucesso.

Como é que milhares de voluntários se podem organizar numa estrutura hierárquica dispersa por todo o mundo, para desenvolver e promover sistemas altamente complexos e críticos, como o LINUX, ou DEBIAN? Como é que se gerem as responsabilidades e a confiança?

Enquanto o LINUX é desenvolvido pela Linux foundation e é mais ou menos gerido pelo criador, Linus Torvarlds, o DEBIAN é desenvolvido por milhares de voluntários que se organizaram de forma bastante estruturada e até organizam eleições para elegerem os membros dos seus órgãos.

Outros exemplos são o LibreOffice e a Mozilla Foundation, criadora do browser Firefox. Dada a missão e valores da Mozilla, a maior parte do seu processo de decisão e desenvolvimento ocorre de forma aberta à participação de todos, programadores, voluntários e utilizadores. O valor de cada um é reconhecido pelo trabalho que publicamente realizam e que é divulgado muitas vezes fora dos meios usuais de comunicação institucional, nomeadamente blogs pessoais.

Estas organizações fazem uso de fóruns, mailing-lists, IRC, bugtracker público, notas de reuniões internas, wikis, blogs, ferramentas de distribuição de tarefas e revisão de trabalho em vários níveis, etc…usam e abusam das novas tecnologias como ninguém (afinal estão no seu meio) e trabalham de forma aberta e transparente (tão transparente que até a nomeação do CEO é escrutinada de forma “brutal” e “espectacular”, como aconteceu recentemente com Brenden Eich).

Como se vê, as ferramentas tecnológicas modernas permitem estruturas organizativas, decisórias e de comunicação muito diferentes do tradicional e do que estamos habituados, o que no meu entender são ideais para um partido politico do século XXI, um partido que se diz progressista e inovador, um partido para os próximos 20 anos.

Um partido como o LIVRE não se pode ver forçado a seguir os métodos e modelos organizacionais dos partidos tradicionais, fechados, pouco transparentes, rígidos, distantes dos eleitores, criados num mundo sem internet e telemóveis, com receio de contacto com os eleitores ou até com os militantes base, onde a vida interna do partido se confunde com a de uma máfia de interesses pessoais. Na minha opinião, o LIVRE terá também que inovar na forma como se organiza e como se processa e promove a sua comunicação e debate político interno e externo.

Criar um fórum online de constante discussão política, subdividido em assuntos locais, nacionais e até internos do partido. Criar canais de comunicação (por exemplo mailing-lists, com registo públicos como na Mozilla) dos órgãos do partido, dos apoiantes, militantes, núcleos territoriais etc.., podem ser restritos aos membros dos órgãos, podem ser privados, podem ser públicos, tudo é possível!

Criar os núcleos territoriais, angariar apoiantes e manter a sua dinâmica, não é muito diferente do que Jono Bacon fez para a Canonical, promovendo a criação uma comunidade internacional, de núcleos de apoio em diversos países que ajudam a traduzir e a divulgar o Ubuntu pelo Mundo.

Disponibilizar ferramentas de modo a permitir a colaboração entre os seus apoiantes e militantes, eliminando barreiras de comunicação dentro do partido e aumentando a sinergias do conhecimento e bom senso colectivo.

Estas e outras ferramentas possuem naturalmente os seus custos e riscos. Os custos são reduzidos, tendo em conta outras formas de comunicação e organização, afinal pode ser quase tudo desmaterializado.

Os riscos podem ser reduzidos com planeamento cuidado e regras bem específicas, onde os valores fundamentais do LIVRE, de modo a potenciar um debate racional e saudável (lembro-me que no caso da Canonical os apoiantes tinham que assinar digitalmente uma carta de valores e princípios antes de poderem participar em alguns dos processos da organização).

Existe também a dificuldade de aprendizagem inicial das ferramentas, mas no meu entender, tendo em conta as características demográficas dos apoiantes iniciais do LIVRE, suspeito que essa barreira não será assim tão significativa e caberá aos participantes inicias ajudarem os próximos.

Tenho a certeza que qualquer dificuldade será largamente compensada com os enormes proveitos da utilização das novas tecnologias pelo LIVRE.